Rota da Cerâmica nas Caldas da Rainha

História
A Cerâmica tem uma História nas Caldas da Rainha. Através dessa História se evidencia o quanto essa actividade determina a feição única que, porventura, a cidade possui. Nas Caldas se cruzaram experiências fundamentais a nível cerâmico que em muito ultrapassam a dimensão local, regional, e até mesmo nacional, atingindo o seu pleno significado além-fronteiras.
Quando Bordalo Pinheiro escolheu o meio cerâmico caldense para fundar a Fábrica de Faianças (1884) fê-lo por haver aqui uma sustentada produção de faiança decorativa de estilo palissy, com ceramistas qualificados e, mesmo, premiados internacionalmente como Francisco Gomes de Avelar, José Alves Cunha e José Francisco de Sousa. Todavia, o responsável pela introdução dessa técnica nas Caldas foi Manuel Cipriano Gomes, O Mafra, (1853) cujas peças se distinguiam pela variada e intensa paleta de cores, em que imperavam o verde esmeralda e o amarelo mel, pelo brilho dos vidrados e pelo realismo com que eram reproduzidos os motivos decorativos que se tornaram tradicionais – répteis, crustáceos, peixes, frutos, flores – em relevo ou justapostos tridimensionalmente sobre fundos naturalistas correspondentes.

Bordalo, que já era um artista consagrado ao nível do desenho e da caricatura, fez transitar essa sua aptidão para a faiança das Caldas, conferindo-lhe um sentido de composição estética até então inexistente, que aliou à notável fantasia e imaginação com que concebeu as suas peças, rapidamente identificáveis até pelas respectivas dimensões.

Apesar das dificuldades financeiras da fábrica, o seu projecto constituiu um enorme êxito de um ponto de vista artístico, fazendo das Caldas um dos mais significativos e qualificados pólos de produção palissy, numa época em que este era o tipo de faiança em voga por toda a Europa. Bordalo recebeu prémios internacionais, contribuiu para a projecção da imagem de Portugal além fronteiras, além de fixar uma certa forma de ser português de que foi o intérprete, e transportou as Caldas para o primeiro plano nacional, ao torná-la assunto das caricaturas e crónicas com que preenchia os jornais humorísticos da capital.

A mera presença de Rafael nas Caldas, dados o nome e a fama que o artista granjeara, era motivo de atracção de um público que fazia do magnífico cenário da Fábrica de Faianças lugar obrigatório de visita e de compras, nas frequentes deslocações que efectuava às Caldas, pelo menos desde que esta contava com o caminho-de-ferro (1887), tanto na qualidade de excursionista, como de utente das termas.

Bordalo Pinheiro faleceu em 1905 e em 1907 a Fábrica de Faianças foi a hasta pública. A nova fábrica que o seu filho Manuel Gustavo veio a fundar em 1908 (San Rafael), para a qual fez transitar, com recurso a litígio jurídico, os equipamentos, as madres, os moldes, as peças que haviam pertencido ao pai, garantiu, em conjunto com a Fábrica Belo, fundada em 1899, por Avelino Belo, um dos mais prestigiados discípulos de Rafael Bordalo, a continuidade da tradição da faiança das Caldas, apesar da crise que as primeiras décadas do século XX imprimiram à produção cerâmica. A última das referidas fábricas veio a cessar a sua produção na década de oitenta do século XX, enquanto a primeira ainda hoje labora sob a designação de Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro, Lda.

Outro dos momentos áureos da cerâmica das Caldas foi protagonizado pela fábrica SECLA, fundada por Alberto Pinto Ribeiro em 1947, numa época de expansão económica, devido a pressões do sector comercial, com destaque para o mercado norte-americano, a cujas encomendas a produção das pequenas fábricas caldenses, de carácter familiar, não conseguia corresponder.

A SECLA foi uma fábrica inovadora que aliou de modo particularmente criativo tradição e modernidade, sem cedências quanto à qualidade estética da sua produção mais característica. As mais significativas alterações introduzidas por esta fábrica no panorama da cerâmica caldense, do qual logo se distinguia pela dimensão (maior), realizaram-se aos níveis técnico e de inovação quanto à concepção e desenho das peças e respectiva decoração.

Destacam-se a substituição dos tradicionais fornos a lenha por fornos eléctricos e, mais tarde, a gás; a produção de uma pasta feldspática para a louça de mesa; a adopção de uma paleta de cores marcadamente ousada que desafiava o gosto mais comum; a utilização de formas mais estilizadas, embora quase sempre com um cunho que de algum modo as vinculava à tradição caldense.

A par destas secções – louça de mesa e decorativa – laborava o estúdio de cerâmica artística de que foram responsáveis grandes mestres como Hansi Stael e Ferreira da Silva e por onde passaram artistas convidados como Júlio Pomar, António Quadros, Tomás de Melo, Jorge Vieira, José Aurélio e outros, que contribuíram decisivamente para o prestígio da fábrica.

Após o período analisado, e que corresponde sensivelmente aos anos 50/60, a SECLA passou por diversas fases e acabou por deixar de laborar em 2008.

Para além das referidas, muitas outras fábricas (havendo também que lhes adicionar as olarias) produziram faiança de elevada qualidade, contribuindo todas e cada uma, através do minucioso trabalho dos seus ceramistas, marcado pela exigência técnica e pelo sentido artístico, desde a preparação das pastas à modelação, pintura e demais tarefas inerentes ao processo produtivo, para o prestígio e o renome das faianças das Caldas da Rainha.

Negar este legado seria sinal de verdadeiro desperdício. Pelo contrário, a plena consciencialização do papel que à cerâmica coube nas Caldas e do valor que a mesma alcançou a nível nacional e internacional, é susceptível de contribuir decisivamente para a criação e o registo de uma marca identitária que singularize a cidade, também enquanto destino turístico.

- Isabel Xavier –
(PH – Grupo de Estudos)

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